- As forças ucranianas usaram munições de fragmentação que causaram a morte de civis e ferimentos graves. As forças russas usaram de forma extensiva munições de fragmentação, causando diversas mortes de civis e ferimentos graves.
- As munições de fragmentação usadas pela Rússia e pela Ucrânia estão ferindo civis agora e deixarão para trás pequenas bombas que continuarão fazendo o mesmo por muitos anos.
- Ambos os lados deveriam parar imediatamente de usar munições de fragmentação e não tentar obter mais dessas armas de impacto indiscriminado. Os EUA não deveria transferir munições de fragmentação para a Ucrânia.
Atualização: em 7 de junho de 2023, o Departamento de Defesa dos EUA anunciou que o presidente Joe Biden assinou uma “determinação” de que a transferência de munições de fragmentação para a Ucrânia era necessária para os interesses de segurança nacional dos Estados Unidos. Ele autorizou a transferência para as Forças Armadas Ucranianas de um número não especificado de munições de fragmentação que têm uma taxa de munições não detonadas superior a um por cento.
Em 10 de julho, líderes de pelo menos onze países expressaram preocupação com a decisão: Áustria, Bélgica, Camboja, Canadá, Alemanha, Itália, Laos, Nova Zelândia, Noruega, Espanha e Reino Unido. O secretário-geral das Nações Unidas também manifestou sua preocupação.
Após o anúncio dos EUA, o Ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov, apresentou cinco princípios que as forças armadas respeitariam ao receber as munições de fragmentação: utizilá-las apenas na Ucrânia; não usá-las em “áreas urbanas (cidades)”, mas apenas “em campos onde há concentração de militares russos”; manter um registro rigoroso de onde as munições foram usadas; conduzir atividades de desminagem após a desocupação das áreas onde as munições foram utilizadas; e relatar o uso das munições e sua eficiência à parceiros.
(Kiev, 6 de julho de 2023) – As forças ucranianas tem utilizado munições de fragmentação (ou munições cluster) que causaram inúmeras mortes e ferimentos graves em civis, disse hoje a Human Rights Watch. As forças russas têm usado extensivamente munições de fragmentação na Ucrânia, matando muitos civis e causando sérios danos à população.
Uma nova investigação da Human Rights Watch descobriu que ataques de mísseis com munições de fragmentação ucranianas ocorridos em 2022 em áreas controladas pela Rússia em Izium, no leste da Ucrânia, causaram diversas vítimas entre civis ucranianos. Ambos os países deveriam suspender o uso dessas armas inerentemente indiscriminadas, e nenhum país deveria fornecer munições de fragmentação devido ao risco aos civis.
“As munições de fragmentação usadas pela Rússia e pela Ucrânia estão matando civis agora e continuarão a fazê-lo por muitos anos”, disse Mary Wareham, diretora interina da divisão de armamento da Human Rights Watch. “Ambos os lados deveriam parar imediatamente de usá-las e não buscar obter mais armas indiscriminadas.”
Segundo relatos, o governo dos EUA está perto de decidir se irá transferir munições de fragmentação estocadas para a Ucrânia, decisão que requer a aprovação do presidente Joe Biden. A transferência dessas armas inevitavelmente causaria sofrimento a longo prazo para os civis e vai em sentido contrário à proibição internacional do seu uso, disse a Human Rights Watch.
A Human Rights Watch visitou Izium e outras vilas próximas entre 19 de setembro e 9 de outubro de 2022 para investigar abusos russos contra civis ucranianos durante a ocupação russa, incluindo detenção arbitrária, tortura e execuções extrajudiciais. A Human Rights Watch entrevistou mais de 100 pessoas, incluindo vítimas de abusos, testemunhas, equipes de serviços de emergência e profissionais de saúde. Quase todos os entrevistados afirmaram ter visto fragmentos de submunições que detonaram perto de suas casas durante a ocupação russa.
Os ataques com mísseis de munições de fragmentação ucranianas na cidade de Izium em 2022 mataram pelo menos oito civis e feriram outros 15, disse a Human Rights Watch. Os ataques ocorreram na cidade de Izium e arredores, onde as forças russas chegaram em março, assumiram o controle no início de abril e permaneceram no controle até o início de setembro. Um relatório das Nações Unidas também constatou que as forças armadas ucranianas usaram munições de fragmentação em ataques a Izium entre março e setembro de 2022.
O número total de civis mortos e feridos em ataques de munições de fragmentação que a Human Rights Watch examinou provavelmente é maior. As forças russas levaram muitos civis feridos para a Rússia para receberem cuidados médicos e muitos não haviam retornado até a visita da Human Rights Watch. Um motorista de ambulância disse que ele e seus colegas transportaram e trataram com frequência civis, incluindo crianças, feridas por munições de fragmentação durante a ocupação russa. Ele estimou ter levado pelo menos um caso desses para o hospital todos os dias.
Um homem da vila de Hlynske disse que, em maio de 2022, ouviu um ataque de mísseis com munições de fragmentação perto de sua casa. “De repente ouvi meu pai gritando, ‘Fui atingido! Não consigo me mover’”. “Corri em sua direçãoe vi que ele havia caído de joelhos, mas não conseguia se mover da cintura para baixo, e havia muitos pedaços de metal nele, incluindo um saindo de sua coluna e outro em seu peito. Ele tinha esses pequenos grânulos de metal alojados em suas mãos e pernas”. O pai do homem recebeu tratamento médico, mas morreu um mês depois, após uma cirurgia.
As munições de fragmentação podem ser lançadas por aeronaves ou mísseis, projéteis e foguetes disparados do solo. Elas se abrem no ar e dispersam dezenas e até centenas de submunições menores, também chamadas de bombetas, em uma área do tamanho de um quarteirão. Muitas submunições não explodem no impacto inicial, deixando fragmentos que agem como minas terrestres, representando uma ameaça para civis por anos e até décadas.
As munições de fragmentação são proibidas pela Convenção sobre Munições de Fragmentação, à qual aderiram 123 países, embora a Rússia e a Ucrânia não tenham aderido. Independente disso, o uso de munições de fragmentação em áreas com civis torna um ataque indiscriminado, uma violação do direito internacional humanitárioe, possivelmente, um crime de guerra.
A Human Rights Watch examinou fotos tiradas por moradores que mostravam restos de 13 mísseis de fragmentação Uragan que atingiram Izium durante a ocupação russa. Cada míssil Uragan da série 9M27K tem um alcance de 10 a 35 quilômetros e despeja 30 submunições. Durante o período investigado, as posições de linha de frente ucranianas estavam sempre dentro desse alcance. A posição das seções de transporte encontradas ainda no solo indicava que vinham da direção das forças ucranianas.
Em 6 de junho, a Human Rights Watch escreveu ao Ministro da Defesa da Ucrânia um resumo de nossas descobertas acompanhado de um pedido de reunião e alguns questionamentos. Em 22 de junho, o Ministério da Defesa respondeu, por escrito, que “munições de fragmentação não foram usadas dentro ou ao redor da cidade de Izium em 2022 quando estava sob ocupação russa”
De acordo com as Convenções de Genebra de 1949, aplicáveis ao conflito armado na Ucrânia, todas as partes têm a obrigação de investigar e processar adequadamente supostos crimes de guerra cometidos por suas forças ou em seu território.
A Ucrânia pediu publicamente o fornecimento de munições de fragmentação. Vários legisladores dos Estados Unidos pediram que seu governo, que não faz parte da Convenção sobre Munições de Fragmentação, transferisse munições de fragmentação armazenadas para o governo ucraniano. De acordo com as regras de exportação de armas dos EUA, o país só pode exportar munições de fragmentação “cujo armamento não resulte em mais de um por cento das munições não explodidas em todos os ambientes operacionais pretendidos”. Esta disposição pode ser dispensada pelo presidente dos EUA em circunstâncias excepcionais para permitir a transferência de munições de fragmentação com taxas de falha mais altas.
As munições de fragmentação que os Estados Unidos estão considerando enviar para a Ucrânia têm mais de 20 anos, se dispersam por uma ampla área e têm uma taxa de falha notoriamente alta, o que significa que elas poderiam permanecer letais por anos. Seu uso em operações de combate dos EUA em 1991 e 2003 no Iraque resultou em mortes e ferimentos de civis e militares dos EUA.
Para a transferência, a Ucrânia teria que concordar que as munições de fragmentação “só serão usadas contra alvos militares claramente definidos e não serão usadas onde se sabe que há civis presentes ou em áreas normalmente habitadas por civis.”
“O governo dos EUA não deveria fornecer munições de fragmentação a nenhum país devido ao dano previsível e duradouro que essas armas causam aos civis”, disse Wareham. “Transferir munições de fragmentação é ignorar o perigo substancial que elas representam aos civis e deteriorar o esforço global de proibi-las.”
A Human Rights Watch co-fundou e preside a Cluster Munition Coalition, uma coalizão global de organizações não-governamentais que trabalha para promover a adesão universal à Convenção sobre Munições Cluster de 2008.