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Brasil: Inconsistências em direitos humanos no primeiro ano do governo Lula

Governo deveria defender os direitos humanos de forma consistente em sua política externa

Ativistas protestam para exigir o fim do racismo e da violência policial após uma série de casos de uso excessivo da força, muitas vezes letal, por parte da polícia em vários estados, São Paulo, Brasil, 24 de agosto de 2023. © 2023 AP Photo/Andre Penner

(São Paulo) – O governo do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, fez importantes avanços na proteção da Amazônia, dos direitos das mulheres e de outros direitos durante 2023, mas não enfrentou adequadamente o problema crônico da violência policial e não defendeu de forma consistente os direitos humanos em sua política externa, disse a Human Rights Watch hoje ao divulgar seu Relatório Mundial 2024.

“O presidente Lula encerrou seu primeiro ano de governo apresentando inconsistências em matéria de direitos humanos”, disse César Muñoz, diretor da Human Rights Watch no Brasil. “Lula reverteu algumas políticas anti-direitos de seu antecessor, mas desafios significativos permanecem, inclusive o uso excessivo da força pela polícia, que afeta desproporcionalmente a população negra, e uma política externa que não promove os direitos humanos de maneira consistente.”

Em seu Relatório Mundial 2024, de 740 páginas (na versão em inglês), sua 34ª edição, a Human Rights Watch analisa as práticas de direitos humanos em mais de 100 países. No capítulo introdutório, a diretora executiva, Tirana Hassan, afirma que 2023 foi um ano marcante não apenas pela supressão dos direitos humanos e atrocidades cometidas em tempos de guerra, mas também pela indignação seletiva de governos e pela diplomacia transacional que acarretou custos elevados para os direitos daqueles sem um assento nas mesas de negociação. Mas ela também destaca sinais de esperança, mostrando a possibilidade de um caminho diferente, e insta governos a cumprirem de forma coerente as suas obrigações de direitos humanos.

O presidente Lula reverteu algumas das políticas anti-ambientais desastrosas de seu antecessor, Jair Bolsonaro. Durante a gestão anterior, o desmatamento na Amazônia aumentou 53%. De janeiro de 2023, quando Lula assumiu, até novembro, o desmatamento na Amazônia caiu 50% em comparação com o mesmo período de 2022, segundo alertas de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

O presidente Lula também rompeu com a postura anti-indígena de Bolsonaro, retomando a demarcação de terras indígenas e nomeando as primeiras lideranças indígenas para dirigir o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). Em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal também rejeitou o marco temporal, que busca restringir o direito dos povos indígenas a seus territórios. Contudo, o Congresso reagiu aprovando um projeto de lei que vai na contramão desta decisão e, mais tarde, derrubando os vetos presidenciais ao texto.

O governo Lula melhorou as metas do Brasil para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e submeteu para a aprovação do Congresso Nacional o Acordo de Escazú, um tratado regional que exige que os governos da América Latina e do Caribe protejam os defensores ambientais e garantam acesso à informação e participação pública em assuntos ambientais.

Mas o governo não conteve a destruição do Cerrado, onde o desmatamento cresceu 41% até novembro, segundo alertas de desmatamento do INPE. Tem também planos de aumentar significativamente a produção de petróleo e gás na próxima década. Em dezembro, o governo Lula anunciou na conferência anual das Nações Unidas sobre o clima, COP28, que o Brasil pretende juntar-se ao grupo OPEP+ de países produtores de petróleo como observador.

O governo Lula apresentou ao Congresso e posteriormente sancionou um projeto de lei para garantir igualdade salarial para mulheres e revogou uma portaria que exigia que profissionais de saúde comunicassem à polícia casos de sobreviventes de estupro que buscassem interromper a gravidez. O governo Lula também retomou uma iniciativa para promover a educação em saúde sexual e reprodutiva nas escolas.

Embora tenha criado um novo Ministério da Igualdade Racial, o governo Lula não tomou medidas contundentes para enfrentar a violência policial, que afeta desproporcionalmente as pessoas negras. A polícia matou no Brasil mais de 6.000 pessoas todos os anos desde 2018. Mais de 80% das pessoas mortas pela polícia em 2022 eram negras. De janeiro a junho de 2023, a letalidade policial aumentou em 16 estados, em comparação com o mesmo período de 2022, segundo dados compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Ao longo da última década, a Human Rights Watch documentou graves falhas nas investigações conduzidas pelas polícias civis, inclusive recentemente em um relatório sobre a morte de 28 pessoas durante a Operação Escudo no estado de São Paulo.

Embora os governadores sejam os responsáveis diretos pelas polícias no âmbito estadual, o governo federal tem autoridade para coordenar os esforços de estados e municípios, desenvolver políticas públicas nacionais e garantir que o financiamento federal da segurança pública esteja condicionado à redução de mortes causadas por ação policial. O governo Lula está revisando o plano nacional de segurança pública. O plano deveria incluir metas e medidas concretas para reduzir as mortes pela polícia em todo o país, disse a Human Rights Watch. É fundamental que esse plano tenha uma coordenação estreita com a Procuradoria-Geral da República, que deveria melhorar o controle externo da polícia e exigir que promotores de todo o Brasil liderem as investigações sobre abusos policiais, em vez de deixar a polícia investigar a si mesma.

Uma medida-chave para garantir a independência judicial e a proteção dos direitos humanos é ter um procurador-geral da República (PGR) que tome decisões com base na lei, e não em interesses políticos. No Brasil, essa independência era tradicionalmente preservada pela prática do presidente escolher o PGR a partir de uma lista tríplice de candidatos votados por procuradores da República de todo o país. No entanto, o presidente Lula seguiu o exemplo negativo de Bolsonaro ao escolher um nome fora da lista.

A política externa do governo Lula tem sido inconsistente em relação aos direitos humanos. Seu governo defendeu proteções mais robustas em relação ao direito à educação e pressionou por ajuda humanitária a civis em Gaza em meio às hostilidades em Israel e Palestina.

No entanto, o presidente Lula chamou o enfraquecimento das instituições democráticas na Venezuela de uma “narrativa construída”, apesar da longa lista de ações autoritárias e abusos de direitos humanos por parte do governo de Nicolas Maduro.

“O presidente Lula prometeu que colocaria o Brasil de volta ao cenário internacional”, disse Muñoz. “Ele deveria usar o novo perfil global do Brasil, incluindo a participação no Conselho de Direitos Humanos da ONU, nos BRICS e na presidência do G20 em 2024, para promover os direitos humanos e condenar abusos, independentemente dos interesses geopolíticos ou da ideologia do governo responsável por violações.”

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