(Joanesburgo) – As autoridades de Moçambique devem garantir uma investigação imparcial e transparente à morte suspeita de Andre Hanekom, empresário sul-africano, que estava sob custódia policial. Hanekom, que foi detido por alegado envolvimento em ataques armados na província de Cabo Delgado no norte do país, faleceu em 23 de Janeiro de 2019, no hospital provincial de Pemba, cinco dias depois de ter sido transferido da prisão na mesma cidade com convulsões violentas.
A esposa de Andre Hanekom, Francis Hanekom, disse à Human Rights Watch que foi informada por amigos em 23 de Janeiro de que o marido havia falecido. Dirigiu-se ao hospital, onde os funcionários lhe disseram que o marido morrera na sequência de falência de órgãos. Segundo Francis, a equipa do hospital realizou uma autópsia sem a presença de nenhum familiar ou representante. Em 29 de Janeiro, o jornal O País noticiou que a Procuradoria-Geral de Pemba já tinha os resultados da autópsia em sua posse, mas não os partilhava com a família. Um procurador público de Pemba recusou-se a confirmar a notícia.
"A morte de Hanekom sob custódia levanta questões que exigem uma investigação imediata e minuciosa por parte das autoridades", disse Dewa Mavhinga, diretor da Human Rights Watch na África Austral." As autoridades devem esclarecer as causas da morte de Hanekom e apresentar informação detalhada, bem como o relatório da autópsia, à sua família."
Andre Hanekom, 62 anos, era dono de uma empresa de barcos e logística marítima na região de Cabo Delgado, no norte de Moçambique. De acordo com testemunhas e reportagens na imprensa, ele foi detido pela polícia em 1 de Agosto de 2018, após um grupo de homens armados, vestidos com uniformes de camuflado e máscaras, terem tentado despistar a viatura em que viajava. Os amigos e familiares de Hanekom pensaram que este havia sido raptado. Quando deram participação do rapto à polícia, foram informados de que os homens armados eram agentes da polícia e de que Hanekom estava no hospital distrital de Mueda, com ferimentos de bala no braço esquerdo e no estômago. Em 6 de Agosto, a polícia transferiu o empresário para o hospital de Pemba, capital de Cabo Delgado.
Em 11 de Setembro, a polícia transferiu Hanekom do hospital de Pemba para a esquadra da polícia local, onde ficou detido por suspeita de estar envolvido em ataques armados na região. Mais tarde, foi transferido para uma prisão no distrito de Mocimboa da Praia, sem comparecer perante um juiz, e, um mês depois, a polícia entregou-o a soldados do exército que o mantiveram incomunicável numa base militar em Mueda até meados de Janeiro, apesar de um tribunal ter ordenado a sua libertação sob fiança em Outubro.
Embora lhe tenha sido negado o contacto com a família e advogados, a esposa disse que Hanekom costumava conseguir subornar os soldados para ter acesso a telemóveis e telefonar-lhe. Francis Hanekon disse que, por vezes, os soldados mantinham o marido em regime de isolamento para tentarem extrair-lhe informações. Disse também que quando o marido foi finalmente transferido pelos militares para a prisão de segurança máxima de Pemba em 14 de Janeiro, quando o julgamento iria ter início, este pediu-lhe que fosse à prisão buscar uma receita de medicamentos para uma dor persistente na anca direita, porque não estavam disponíveis na farmácia local. No entanto, segundo Francis, os guardas prisionais recusaram-se a aceitar os medicamentos quando foi entregá-los à prisão.
Em 18 de Janeiro, Francis Hanekom levou comida ao marido pouco antes das 15 horas. Os guardas disseram-lhe que este não se estava a sentir bem e não permitiram que o visse. Na mesma noite, o Alto Comissário da África do Sul em Moçambique, Mandisi Mpahlwa, que visitara Hanekom, disse a Francis que o marido havia sido internado na unidade de cuidados intensivos do hospital de Pemba e que tomaria as providências necessárias para que ela pudesse visitá-lo no dia seguinte. Francis disse que Hanekom parecia frágil, estava semi-inconsciente e a sofrer de alucinações, tinha sangue na urina e nos pulmões, bem como icterícia e o que aparentava ser sangramento subcutâneo.
Francis, que fora enfermeira numa unidade de cuidados intensivos na África do Sul, disse ter posto em causa o diagnóstico de pneumonia do médico porque Hanekom não mostrara sinais de estar gravemente doente. "Também questionei os guardas prisionais sobre a sua condição física, mas disseram que ele estava bem", revelou. Francis acredita que o marido foi envenenado para encobrir os abusos sofridos sob custódia, que poderiam ter sido revelados durante o julgamento.
A Human Rights Watch viu um vídeo que Francis gravou no hospital em 21 de Janeiro, que mostra Hanekom numa cama de hospital, ligado a vários tubos, com grande dificuldade em respirar. Tinha várias marcas pequenas e escuras na pele e parecia ter perdido bastante peso desde a sua detenção, disse.
Quando a esposa o visitou na noite de 22 de Janeiro, Andre Hanekom parecia melhor, disse, e a sua respiração havia melhorado. No entanto, foi declarado morto na manhã seguinte. Em 24 de Janeiro, as autoridades da prisão entregaram o corpo à família. Um relatório médico assinado pelo médico de serviço afirma que Hanekom morreu às 4:25 de “encefalopatia hipóxica” ou danos cerebrais por asfixia.
Hanekom foi mantido em detenção desde 1 de Agosto, sem ter chegado a ser acusado e sem ter tido acesso a um advogado, apesar de uma ordem judicial de 10 de Outubro, do Tribunal Distrital de Palma, ter ordenado a sua libertação sob fiança. Um dia após a ordem judicial ter sido emitida, a esposa de Hanekom dirigiu-se à prisão, mas a libertação do marido foi-lhe negada e viu-o ser levado num carro que se acredita pertencer ao Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC). Em 15 de Outubro, a Human Rights Watch contactou um porta-voz do SERNIC, Leonardo Simbine, em busca de uma explicação. Simbine prometeu investigar o caso e voltar a entrar em contacto com uma resposta detalhada, mas, até hoje, a Human Rights Watch ainda não recebeu nenhum comentário oficial do SERNIC.
“Desde que foi capturado e desviado da prisão em Mocimboa da Praia, deixei de saber onde estava”, disse Francis. "Eventualmente, o Andre conseguiu um telefone e ligou-me a dizer onde estava." Acrescentou que o marido estava numa base militar em Mueda; nem Francis, nem o seu advogado, nem os funcionários judiciais foram autorizados a entrar na zona militar.
De acordo com a legislação moçambicana, os militares estão proibidos de manter indivíduos sob custódia e devem entregar os suspeitos detidos durante operações militares à polícia, que procederá à sua detenção. De seguida, a polícia deverá libertar os suspeitos ou acusá-los dentro de 48 horas. A Constituição de Moçambique estipula que os detidos devem ser informados das acusações que lhes são imputadas e das razões da sua detenção aquando da sua detenção.
Em 31 de Dezembro, cinco meses após a sua detenção, procuradores moçambicanos anunciaram que Hanekom e dois indivíduos da Tanzânia estavam entre os líderes de um grupo islâmico armado conhecido localmente como Al-Sunna wa Jama'a e Al-Shabab. Foram acusados de homicídio, crimes contra o Estado e incitação à desobediência civil. Francis Hanekom diz que as acusações foram forjadas.
"O governo de Moçambique deve proteger os direitos de todos os indivíduos acusados", disse Mavhinga. "Se tiver havido alguma conduta ilegal ou negligente da parte de algum dos envolvidos na detenção e morte de Hanekom, o governo deve tomar as medidas judiciais adequadas para garantir que os responsáveis são levados perante a justiça."